Circula no zapzap um post que atribui ao governo Bolsonaro o lançamento de “três satélites brasileiros moderníssimos” para vigiar a Amazônia “24 horas por dia”, façanha que teria deixado os meios de comunicação “sem assunto” para criticar o quase-ex-presidente na “conferência do clima”.
Como várias fake news típicas que rodam no aplicativo, o post do patriota espacial traz uma notícia velha (o lançamento do satélite Amazônia-1, no ano passado) e cria distorções em série sobre ela. Ninguém sabe de que conferência do clima ele está falando (supõe-se que a COP27), mas o momento em que o post foi disseminado e as conexões que o autor faz são suficientes para fazer o não-especialista parar por um segundo e pensar: “será?”
Fakebook.eco não costuma verificar mensagens de Whatsapp, mas o post do patriota espacial merece escrutínio. Leia abaixo a checagem ponto a ponto. E compartilhe com quem lhe repassar essa mensagem.
“Balde de água fria nos meios de comunicação. Ninguém criticou o Brasil na cúpula sobre o clima. Os repórteres estavam preparados para meter o ferro no Bolsonaro e agora ficaram sem assunto.”
NÃO É BEM ASSIM
Pouca gente criticou o Brasil por três motivos: primeiro, o governo brasileiro foi completamente ignorado na conferência, com um pavilhão de 300 m2 que ficou praticamente às moscas. A eleição de Lula e sua presença na COP27 fizeram com que o Brasil recebesse ampla cobertura positiva da imprensa internacional (veja aqui e aqui), já que ela marca o retorno do país à agenda de clima. Finalmente, a diplomacia brasileira, entre dois governos, evitou bloquear as negociações na COP, diferentemente do que fez em Madri em 2019, sob a batuta de Ricardo Salles, quando o Brasil saiu como maior vilão da conferência ao lado da Austrália.
Mesmo assim houve críticas ao governo brasileiro no Egito. O país ganhou uma “menção desonrosa” de 1.800 ONGs ambientalistas pelo conjunto da obra de Bolsonaro e também correu o país a foto do ministro Joaquim Leite gazeteando a negociação em plena sexta-feira para passear com dinheiro público no Mar Vermelho.
“Colocar 3 Satélites brasileiros moderníssimos capazes de fotografar em alta definição todo o território da amazônica [sic] 24 horas por dia, todos os meses e anos? Inclusive equipados com sensores idênticos aos usados em Sondas Espaciais enviadas a outros planetas? Bolsonaro endoidou? Agora os brasileiros serão capazes de pesquisar a natureza do solo, detectando minerais, fontes de águas subterrâneas, pedras preciosas e semi preciosas, nióbio [sic], ouro, etc.? Mas o que será agora das campanhas do Macron, da Merkel e de toda a caterva de parasitas internacionais em favor da Amazônia e contra o Bolsonaro?”
CALMA, VAMOS POR PARTES
Primeiro, o satélite Amazônia-1, objeto da mensagem, não foi lançado durante a COP. A notícia do lançamento, que acompanha a postagem, é de 2021. Segundo, o Amazônia-1 não é um projeto do governo atual: ele vinha sendo gestado no Inpe pelo menos desde 2001, quando começou a montagem da Plataforma Multimissão, o “chassi” do Amazônia-1. Deveria ter sido lançado em 2010. Terceiro, nenhum dos “três satélites” aos quais se refere o texto é obra do governo atual. Além do Amazônia-1, a matéria do link se refere aos satélites sino-brasileiros CBERS, concebidos no governo Sarney e lançados nos governos Lula e Dilma.
Por fim, o lançamento aconteceu apesar de Bolsonaro e não por causa dele. O governo atual produziu o maior sucateamento da história do Inpe, chegando ao ponto de o instituto desligar o supercomputador Tupã por falta de dinheiro para pagar a conta de luz. O programa de monitoramento do Cerrado também ficou sem recursos e precisou ser bancado pela Finep para não parar.
Enquanto tirava recursos do Inpe, o governo atual torrava R$ 175 milhões sem licitação em dois satélites para as Forças Armadas que duplicam o trabalho do Inpe e até hoje não produziram nem sequer um dado de desmatamento.
“Pior! Em conjunto com o Sistema SIVAM (Radares de Vigilância Aérea da Amazônia) o Brasil vai monitorar e controlar todo o território, inclusive as suas extensas Fronteiras da “Calha Norte” (Amapá, fronteiras com a Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia) e disponibilizará as informações às Forças Armadas, à Polícia Federal, Polícias Estaduais Civis e Militares, Órgãos de Proteção ao Meio Ambiente e de Controles Fundiários, etc!”
CONTE ALGO QUE EU NÃO SEI
O Brasil (em tese) já monitora suas fronteiras. O Sivam foi criado para isso. Desde 2012 o Exército implementa o Sisfron, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras. Não se trata de invenção do governo atual.
“Para piorar Bolsonaro regularizou em dois anos mais terras do que todos os governos dos últimos vinte anos! Mas então, como o MST irá manter, agora, o seu exército de invasores para poder roubar terras, vender e financiar, além do socialismo, os próprios bolsos? Como os líderes do MST pagarão por suas caminhonetes de 300 mil reais se não puderem mais roubar terras?”
FALSO
Não é verdade que o governo Bolsonaro tenha emitido mais títulos para assentados da reforma agrária do que nos 16 anos anteriores à sua gestão. Segundo dados enviados pelo Incra ao STF, somente nos dez anos que antecederam a atual gestão (de 2009 a 2018) foram entregues 456.636 títulos, cifra que supera os 420 mil títulos que Bolsonaro alega ter distribuído desde 2019. Além disso, de acordo com os mesmos dados do Incra, cerca de 90% dos títulos entregues por Bolsonaro são provisórios, os chamados Contratos de Concessão de Uso (CCU). Diferentemente da titulação definitiva (via Concessão de Direito Real de Uso ou Título de Domínio), com o CCU o assentado não tem direito definitivo à terra: ele não pode registrar o imóvel em seu nome ou usá-lo como garantia para acessar crédito bancário, por exemplo. Os dados enviados pelo Incra ao STF abrangem o período até fevereiro de 2021. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), a tendência se manteve depois disso: até agosto de 2022, 88,6% dos títulos emitidos no governo Bolsonaro eram provisórios, e apenas 11,4%, definitivos.
Em relação à chamada “regularização fundiária”, o governo tenta aprovar no Congresso desde 2021 o PL 510, também conhecido como PL da Grilagem. Mas o governo Bolsonaro não avançou na regularização: no período 2009-2018, foram emitidos em média 3.190 títulos definitivos por ano fora de assentamentos rurais na Amazônia. Em 2019, primeiro ano da atual gestão, apenas um título foi emitido. No ano passado, 753 títulos definitivos foram emitidos.
“Quer dizer que agora cada metro quadrado da Amazônia será monitorado e controlado? Meu Deus! E o Leonardo di Caprio? E as ONG’s [sic] que colocavam fogo na floresta, faziam vídeos e vendiam por 100 mil para a WWF? O que essa gente descolada, cabeluda e militante do PSOL irá fazer agora pra ganhar dinheiro? Trabalhar?”
ISSO MESMO
Hoje cada quadrado de 30 m x 30 m da Amazônia já é monitorado anualmente por satélite. O monitoramento é feito pelo consórcio MapBiomas, uma iniciativa de ONGs, cujos dados são usados por uma série de atores públicos e privados que incluem governos locais e Ministério Público. A “gente descolada e cabeluda” está trabalhando para proteger a floresta, não bloqueando estrada nem cantando hino para pneu.
“Para piorar, o Brasil adquiriu aviões de caça GRIPEN, que reforçarão as defesas aéreas da FAB, podendo alcançar qualquer ponto do território amazônico em poucos minutos! As pistas de pouso clandestinas serão facilmente localizados e os contrabandos por via aérea serão combatidos! Um absurdo! Controle! Coisa típica de fascista!”
GRAÇAS AO LULA
A licitação para os novos caças da FAB foi fechada em 2013, no governo do PT, no âmbito do programa FX-2, iniciado em 2006, no primeiro mandato do presidente eleito. Os caças começaram a voar em 2022, mas o programa já data de mais de 15 anos.
“Eu sabia que esse negócio de militar no governo não daria nada certo. A Amazônia vinha sendo, tranquilamente, saqueada há 500 anos por vários países que se fingem de ecológicos, pagam propinas bilionárias às esquerdas, às ONG’s e a todos os governos corruptos que sempre e somente favoreceram toda a espécie de bandidos, piratas e aventureiros de todas as nacionalidades. E agora vem o desequilibrado do Bolsonaro e quer acabar com tudo isso?”
MENOS
Nunca antes desde a redemocratização os “bandidos, piratas e aventureiros” estiveram tão à vontade na Amazônia quanto no governo Bolsonaro. O desmatamento subiu 73%; as invasões de terras indígenas subiram 212%; o número de assassinatos de indígenas é o maior da série histórica. A área de garimpo aumentou 24% durante o atual governo, o maior aumento percentual desde 1985. O número de armas nas mãos de civis cresceu 700% na Amazônia nos últimos quatro anos. E o ministro do Meio Ambiente foi demitido por suspeita de traficar madeira.
“Copiei e colei!”