Com efeitos da crise climática cada vez mais sentidos cotidianamente, negacionismo remodela desinformação e segue influenciando percepção pública

Conteúdos negacionistas da crise do clima nas plataformas digitais têm  se remodelado, alterando a prioridade de seus alvos. Diante das evidências cotidianas da emergência climática, vídeos questionando sua existência ou a contribuição da ação humana para o aquecimento do planeta têm se tornando menos frequentes nos últimos seis anos. 

No mesmo período, ganharam mais destaque conteúdos que desacreditam as soluções cientificamente sustentadas para a crise do clima – como a necessidade de abandono dos combustíveis fósseis através da transição para uma matriz energética limpa – e questionam os modelos científicos para a projeção do aquecimento futuro na Terra. 

A tática parece estar dando certo. Os conteúdos negacionistas seguem circulando intensamente, influenciando a percepção da sociedade (e, consequentemente, limitando a ação climática) e gerando lucros milionários às plataformas digitais. As conclusões são de um novo estudo, publicado na última terça (16) pela organização Center for Countering Digital Hate (CCDH), especializada no mapeamento de discursos de ódio e negacionistas online.  

A pesquisa analisou 12.058 vídeos com conteúdos sobre clima postados por 96 canais no Youtube entre 1 de janeiro de 2018 e 30 de setembro de 2023. Nesses quase seis anos, vídeos questionando soluções à crise climática e os modelos científicos adotados para mensurar o aquecimento do planeta saltaram de 35% do total (em 2018) para 70% (em 2023).

Em contrapartida, o percentual daqueles que defendem a inexistência das mudanças climáticas (ou o papel das emissões de gases de efeito estufa resultantes da ação humana para o aquecimento) caiu de 65% para 30% do total. 

Os vídeos analisados foram assistidos 325 milhões de vezes na plataforma, e categorizados por uma ferramenta de inteligência artificial de acordo com o conteúdo promovido – classificado pelos pesquisadores como “velho negacionismo” (que refuta a existência da crise do clima ou o papel humano em sua formação) e “novo negacionismo” (que questiona os modelos da ciência climática e as soluções consensuadas pela ciência). 

Mesmo que o descrédito em relação aos modelos científicos não seja exatamente uma novidade – não é de hoje que mitos como “a ciência do clima não é confiável” circulam no ambiente digital –, a prevalência desse tipo de conteúdo face ao “negacionismo clássico” chama atenção. Ao mesmo tempo, o discurso de que a exploração de combustíveis fósseis seria “indispensável para financiar a transição energética”, que vem ganhando espaço e gradualmente substituindo a velha ideia de que os fósseis seriam intocáveis, não apareceu entre os conteúdos do “novo negacionismo” analisados. 

De todo modo, os resultados confirmam não apenas a adaptação do discurso negacionista, mas também sua efetividade e lucratividade. Segundo a pesquisa, o Youtube continua lucrando com anúncios exibidos em vídeos negacionistas: a cifra chega a US$ 13,4 milhões por ano em anúncios nos canais analisados. O estudo demonstrou que a publicidade é veiculada tanto em conteúdos negacionistas tradicionais – o que contraria a política de monetização da plataforma – como nos de “novo” tipo, esses sequer previstos pelas regras do Youtube. 

As consequências do negacionismo na opinião pública são perceptíveis. Uma pesquisa adicional encomendada pelo CCDH neste mês de janeiro, antes do lançamento do estudo, apontou que 31% dos adolescentes entre 13 e 17 anos nos Estados Unidos concordaram com a afirmação negacionista de que “os impactos do aquecimento global são benéficos ou inofensivos”; um terço (33%) disse que “as políticas climáticas causam mais danos do que benefícios” à sociedade e  30% concordaram que que a ciência climática e o movimento pelo clima “não merecem confiança”. 

Ainda mais alarmantes são os percentuais dos meninos adolescentes que concordam com a afirmação “políticos exageram quanto à urgência de políticas climáticas” (45%) e “cientistas climáticos estão manipulando dados” (44%). 

“Jovens passam uma imensa quantidade de tempo em plataformas de compartilhamento de vídeos como o Youtube. Essas novas formas de negacionismo climático que se proliferaram rapidamente nos últimos seis anos foram elaboradas para fragilizar o apoio público à ação climática nas próximas décadas”, afirmou Imran Ahmed, fundador e CEO do CCDH, que completou “É hipócrita a postura das plataformas de mídias sociais, que reivindicam serem ‘verdes’ e, ao mesmo tempo, monetizam e amplificam mentiras sobre o clima”.