Ministério do Meio Ambiente usa informações de associação privada, que, confrontada, prometeu auditar números

O fechamento de 645 lixões no país, apontado desde o ano passado como principal resultado da “agenda ambiental urbana” lançada em 2019 pelo governo Bolsonaro, só existe na propaganda oficial. Levantamento realizado pelo Fakebook.eco mostra que pelo menos 195 desses lixões (30%) já estavam desativados ao menos desde 2018, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional. Prefeituras foram procuradas, e 55 já confirmaram que não fecharam lixões nos últimos três anos.

Em mais de uma ocasião, como em seu discurso na COP 26, a conferência do clima de Glasgow, em 2021, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, gabou-se de que o atual governo havia “encerrado 20% dos lixões a céu aberto” do país. Mas o MMA (Ministério do Meio Ambiente) nunca mostrou a lista dos 645 municípios. Procurada, a pasta se recusou a enviar a relação das cidades e atribuiu todos os dados à Abetre (Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes).

Questionado sobre a discrepância, o presidente da Abetre, Luiz Gonzaga, afirmou que o levantamento usado pelo MMA será revisto. “Vamos fazer uma auditoria para verificar os dados”, disse Gonzaga, que em fevereiro de 2019 assinou ​um “acordo de cooperação técnica” com o então ministro Ricardo Salles.

A lista apresentada pela Abetre foi cruzada com dados do Snis (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), mantido pelo MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional). Das 645 cidades, pelo menos 195 destinam o lixo para aterros sanitários desde 2018 ou antes, aponta o levantamento. O programa Lixão Zero foi lançado em abril de 2019. Até a última sexta-feira (20/5), o Fakebook.eco havia procurado metade das 195 prefeituras, e 55 já responderam confirmando a informação do MDR.

A Abetre diz usar o Snis como base de seu Atlas da Destinação Final de Resíduos, mas alega ter feito levantamentos próprios para “validar” os dados e atingir os 5.570 municípios do país. Em 2018, o Snis teve a participação de 3.468 municípios. Como o cruzamento de dados considerou apenas estes (62% do total), o número daqueles que não fecharam lixões nos últimos 3 anos, entre os listados pela Abetre, pode ser maior que 195.

A afirmação do MMA de que “645 lixões foram fechados no Brasil desde 2019” também aparece na mensagem que o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso em fevereiro. No documento, o governo alega que o Lixão Zero “alcançou a marca de 645 lixões encerrados, o que representa uma queda de 20% das áreas irregulares de disposição de resíduos em relação a janeiro de 2019”.

No entanto, essa informação não consta de nenhuma base pública. A principal fonte oficial sobre resíduos sólidos urbanos no país é o Snis. No documento de lançamento do Lixão Zero, que não tem metas nem previsão orçamentária, o MMA afirma que os dados do Snis serão usados como “indicadores para o tema disposição final ambientalmente adequada”.

Publicado por meio de decreto no mês passado, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos também adota o Snis como “base principal de dados”. No documento, o MMA afirma se tratar da “fonte oficial do governo federal atualmente mais completa sobre o manejo dos resíduos sólidos urbanos”, acrescentando: “julga-se que o conteúdo de informações obtidas por tal sistema de informações ofereça subsídios adequados para uma extrapolação dos dados e o encaminhamento de cálculos estimados para o âmbito nacional”.

De acordo com o Snis, o número de lixões e dos chamados “aterros controlados” aumentou sob Bolsonaro. A lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (n.º 12.305/2010) considera “disposição final ambientalmente adequada” apenas aquela que é realizada em aterros sanitários. Na prática, os aterros “controlados” também são considerados lixões.

Em 2018 havia 1.577 lixões e aterros controlados no país, número que subiu para 1.694 em 2019 e chegou a 2.162 em 2020. Como a participação no Snis é voluntária e autodeclarada, o número total de municípios varia a cada ano. Foram 3.468 em 2018, 3.712 em 2019 e 4.589 em 2020. O aumento de lixões nesse período, portanto, também é reflexo da maior adesão ao levantamento.

Outro dado que indica ser improvável o fechamento de lixões alegado pelo governo é a estimativa de massa de resíduos sólidos urbanos por tipo de disposição final, realizada pelo Snis. A proporção de resíduos levados para lixões ou aterros controlados caiu de forma constante de 2014 (32,7% do total) a 2018 (24,4%), e subiu em 2019 (24,9%) e 2020 (26,2%). Já a de resíduos levados para aterros sanitários subiu de 2014 (67,3%) a 2018 (75,6%), e caiu em 2019 (75,1%) e 2020 (73,8%). Ou seja, a situação ambiental piorou desde 2019.

Assim como a Abetre, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) também realiza levantamento próprio. No Observatório dos Lixões, a entidade aponta que o percentual de cidades com lixões ou aterros controlados se manteve estável nos últimos anos: 48,1% dos 4.224 municípios ouvidos em 2017, e 47,7% dos 4.175 em 2019, últimos dados disponíveis.

Os dados da Abetre também não batem com os da Abrelpe, associação de empresas do setor de coleta de lixo. De acordo com levantamento da entidade, em 2018 havia 3.001 municípios destinando resíduos a lixões e aterros controlados. Em 2020, eram 2.868 municípios. Ou seja, houve melhora em 133 cidades, ritmo mais lento que o verificado pela entidade de 2017 para 2018, como informou a Folha de S.Paulo no último dia 1º.

O presidente da Abrelpe, Carlos Silva Filho, destacou que as metodologias usadas pelas duas associações são “totalmente diferentes”. “Não tenho detalhes sobre esses dados [da Abetre]. Nós usamos o número de municípios e o volume de resíduos que deixam de ter destinação inadequada e passam a ter destinação adequada. A metodologia deles, pelo que entendi, é no sentido de levantar o número de lixões fechados, e eu realmente não conheço, nesse momento, uma base de dados que tenha consolidado essa informação por número de lixões. A gente confia na nossa metodologia.”

O MMA foi procurado pela primeira vez em 23 de fevereiro por meio da Lei de Acesso à Informação. Na ocasião, apresentou recurso para estender o prazo de resposta, sob a justificativa de que precisava de “mais tempo para levantar as informações requeridas, devido à complexidade da demanda”. Em seguida, respondeu em duas frases que “a fonte primária da informação a que se refere a consulta é a Abetre”.

Questionado novamente sobre a lista dos municípios e a ação direta do ministério para o alegado fechamento de lixões, o secretário de Qualidade Ambiental, André França, repetiu a resposta: “Em atenção ao recurso de 1º instância em tela, venho ratificar as informações já apresentadas por esta secretaria de que a fonte primária da informação a que se refere a consulta é a Abetre”, acrescentando que “esclarecimentos adicionais podem ser endereçados diretamente à referida associação”.

Foram solicitados ao MMA: lista dos 645 lixões apontados como fechados desde 2019, com localização (município e Estado), data do fechamento, nome e tamanho do estabelecimento; ação direta do ministério para o fechamento em cada um dos casos; novo destino do lixo nas cidades em que houve encerramento de lixões; situação atual das áreas em que o lixo era depositado; número de aterros sanitários construídos; e fonte dos dados/metodologia usada para chegar ao cálculo de que o fechamento de lixões no país representaria uma queda de 20% em relação a 2019.

A Abetre demorou um mês para enviar a lista completa dos 645 municípios. Fez isso no dia 13/5. Antes, havia enviado dados verificáveis apenas para as regiões Sul, Norte e Centro-Oeste, que concentram o menor número de lixões (nas tabelas para Sudeste e Nordeste, em imagens de baixa resolução, não era possível ler os nomes das cidades). Por isso, este primeiro levantamento do Fakebook.eco com as prefeituras reúne principalmente cidades das regiões Sul, Norte e Centro-Oeste.

O programa Lixão Zero foi criado em 2019 pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Integrava a chamada “agenda ambiental urbana”, que o ministro dizia ser a prioridade de sua gestão. Segundo ele, o principal problema ambiental do Brasil estava nas cidades, e não no campo.

Desde o início, porém, a “agenda ambiental urbana” se mostrou um factoide: a meta para reciclagem de latas de alumínio, por exemplo, anunciada no fim de 2020, já tinha sido atingida pelo país em 2004, 16 anos antes. Em 2018, ano da eleição de Bolsonaro, o índice havia chegado a 96,9% das embalagens, maior que a meta de 95% estabelecida pela atual gestão.

 

195 municípios da lista da Abetre que já tinham aterro sanitário em 2018, segundo dados do Snis:

 

Municípios UF SNIS 2018
Rio Branco AC sim
Careiro da Várzea AM sim
Manaus AM sim
Santana AP sim
Aparecida de Goiânia GO sim
Bonfinópolis GO sim
Hidrolândia GO sim
Amambaí MS sim
Bataguassu MS sim
Caarapó MS sim
Corguinho MS sim
Itaquaraí MS sim
Jaraguari MS sim
Juti MS sim
Paranaíba MS sim
Ribas do Rio Pardo MS sim
Rio Negro MS sim
São Gabriel do Oeste MS sim
Terenos MS sim
Cláudia MT sim
Nova Mutum MT sim
Sinop MT sim
Amaporã PR sim
Apucarana PR sim
Arapongas PR sim
Arapoti PR sim
Arapuã PR sim
Cafelândia PR sim
Flórida PR sim
Godoy Moreira PR sim
Goioerê PR sim
Guamiranga PR sim
Iguaraçu PR sim
Kaloré PR sim
Mirador PR sim
Morretes PR sim
Nossa Senhora das Graças PR sim
Nova Aliança do Ivaí PR sim
Novo Itacolomi PR sim
Alto Alegre dos Parecis RO sim
Ariquemes RO sim
Cabixi RO sim
Campo Novo de Rondônia RO sim
Cerejeiras RO sim
Corumbiara RO sim
Cujubim RO sim
Machadinho D Oeste RO sim
Monte Negro RO sim
Theobroma RO sim
Vale do Anari RO sim
Alvorada RS sim
Campos Borges RS sim
Chuvisca RS sim
Erebango RS sim
Ilópolis RS sim
Ipiranga do Sul RS sim
Santa Cruz do Sul RS sim
Santo Antônio de Palma RS sim
Severiano de Almeida RS sim
São José do Norte RS sim
Anita Garibaldi SC sim
Cordilheira Alta SC sim
Ponte Alta do Norte SC sim
Rio Rufino SC sim
Sâo João do Oeste SC sim
São Domingos SC sim
Tangará SC sim
Água Boa MG sim
Água Comprida MG sim
Albertina MG sim
Alto Rio Doce MG sim
Andrelândia MG sim
Antônio Carlos MG sim
Araçaí MG sim
Arcos MG sim
Barbacena MG sim
Belmiro Braga MG sim
Bias Fortes MG sim
Bocaiúva MG sim
Bom Jardim de Minas MG sim
Bom Jesus da Penha MG sim
Cajuri MG sim
Caldas MG sim
Cambuí MG sim
Campanha MG sim
Campo Florido MG sim
Campos Altos MG sim
Capela Nova MG sim
Carandaí MG sim
Cipotânea MG sim
Congonhal MG sim
Conquista MG sim
Córrego do Bom Jesus MG sim
Descoberto MG sim
Engenheiro Caldas MG sim
Espírito Santo do Dourado MG sim
Eugenópolis MG sim
Glaucilândia MG sim
Guaraciama MG sim
Guimarânia MG sim
Iapu MG sim
Ibiá MG sim
Ibirité MG sim
Ibitiúra de Minas MG sim
Ipaba MG sim
Itacambira MG sim
Itaverava MG sim
Jaboticatubas MG sim
Jequitibá MG sim
Juatuba MG sim
Juramento MG sim
Maripá de Minas MG sim
Minduri MG sim
Naque MG sim
Natércia MG sim
Nova União MG sim
Palma MG sim
Pedra Dourada MG sim
Perdizes MG sim
Piedade do Rio Grande MG sim
Pratinha MG sim
Presidente Bernardes MG sim
Resende Costa MG sim
Ressaquinha MG sim
Rochedo de Minas MG sim
Santa Luzia MG sim
Santa Rita de Caldas MG sim
São Francisco do Glória MG sim
São João da Mata MG sim
Senador Cortes MG sim
Silveirânia MG sim
Veríssimo MG sim
Vespasiano MG sim
Governador Lindenberg ES sim
Marilândia ES sim
Montanha ES sim
São Mateus ES sim
Barra do Piraí RJ sim
Bom Jardim RJ sim
Cantagalo RJ sim
Cardoso Moreira RJ sim
Eng. Paulo de Frontin RJ sim
Itaocara RJ sim
Japeri RJ sim
Petrópolis RJ sim
Rio das Flores RJ sim
São João da Barra RJ sim
Valença RJ sim
Volta Redonda RJ sim
Alambari SP sim
Araçatuba SP sim
Araraquara SP sim
Areias SP sim
Barbosa SP sim
Bocaina SP sim
Brejo Alegre SP sim
Cosmorama SP sim
Cruzeiro SP sim
Holambra SP sim
Ipiguá SP sim
Itapetininga SP sim
Itaporanga SP sim
Lavínia SP sim
Mineiros do Tietê SP sim
Paraibuna SP sim
Pirangi SP sim
Quadra SP sim
São João de Iracema SP sim
Tejupá SP sim
Torre de Pedra SP sim
Água Branca AL sim
Cacimbinhas AL sim
Canapi AL sim
Delmiro Gouveia AL sim
Dois Riachos AL sim
Jacaré Dos Homens AL sim
Major Izidoro AL sim
Maravilha AL sim
Mata Grande AL sim
Ouro Branco AL sim
Pão de Açúcar AL sim
Senador Rui Palmeira AL sim
Lagoa Seca PB sim
Montadas PB sim
Santa Inês PB sim
Cabo de Santo Agostinho PE sim
Canhotinho PE sim
Condado PE sim
Ibirajuba PE sim
São José da Coroa Grande PE sim
São Lourenço da Mata PE sim
Sirinhaém PE sim
Vitória do Santo Antão PE sim
Extremoz RN sim
Taipu RN sim

 

Municípios da lista acima que já confirmaram não ter fechado lixão nos últimos três anos:

Total: 55 (até 20/5)

RIO GRANDE DO SUL – 7

Alvorada, Campos Borges, Erebango, Ipiranga do Sul, Santa Cruz do Sul, Santo Antônio do Palma e Severiano de Almeida

SANTA CATARINA – 7

Anita Garibaldi, Cordilheira Alta, Ponte Alta do Norte, Rio Rufino, São João do Oeste, São Domingos, Tangará

PARANÁ – 10

Arapongas, Arapoti, Arapuã,  Cafelândia, Guamiranga, Godoy Moreira, Iguaraçu, Novo Itacolomi, Mirador, Morretes

MATO GROSSO – 1

Nova Mutum

GOIÁS – 2

Bonfinópolis e  Hidrolândia

MATO GROSSO DO SUL – 6

Bataguassu, Caarapó, Jaraguari, Ribas do Rio Pardo, Rio Negro, Terenos

RONDÔNIA – 10

Alto Alegre dos Parecis, Ariquemes, Cabixi, Campo Novo de Rondônia, Corumbiara, Cujubim, Machadinho D’Oeste, Monte Negro, Theobroma e Vale do Anari

ACRE – 1

Rio Branco

RIO DE JANEIRO – 10

Barra do Piraí, Cantagalo, Cardoso Moreira, Engenheiro Paulo de Frontin, Itaocara, Petrópolis, Rio das Flores, São João da Barra, Valença e Volta Redonda

ESPÍRITO SANTO – 1

Marilândia