Ao menos em um Powerpoint, o governo Bolsonaro já tem uma meta de redução de desmatamento na Amazônia. Uma apresentação feita pelo vice-presidente Hamilton Mourão a embaixadores europeus no dia 23 de outubro, à qual Fakebook.eco teve acesso, admite que a taxa de destruição neste ano ficará em pelo menos 12 mil quilômetros quadrados e promete reduzi-la a 7.000 km2 até 2022, último ano de governo. Aparentemente contando com a reeleição, o general afirma que o desmatamento em 2023 deverá ser de 5.000 km2.
A meta para 2022 é, portanto, devolver o desmatamento ao patamar em que ele estava quando Bolsonaro foi eleito, em 2018. (Naquele ano a taxa foi de 7.500 km2.) É também o dobro da meta que foi fixada pelo governo brasileiro em 2009 na lei da Política Nacional sobre Mudança Climática. A lei compromete o país a atingir uma redução de 80% na taxa de desmatamento em 2020 em relação à média verificada entre 1996 e 2005. Isso significaria chegar neste ano a 3.639 km2.
Na última quarta-feira, sete partidos políticos ajuizaram no STF uma ação contra o governo exigindo a retomada imediata do PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia), enterrado por Bolsonaro. A ação exige o cumprimento da meta de 2020 em 2021. Caso isso não ocorra, se condenado, o governo teria de impor uma moratória a todo o desmatamento no ano que vem.
As metas apresentadas aos embaixadores dos sete países da chamada Parceria de Amsterdã não foram tornadas públicas em nenhum momento pelo Cnal (Conselho da Amazônia), órgão chefiado por Mourão que se tornou uma espécie de agência de militarização da região. Elas tampouco foram inscritas no planejamento estratégico do Cnal, enviado ao Ministério da Fazenda em 4 de novembro, o que sugere que tenham sido costuradas apenas para a ocasião do encontro com os diplomatas – literalmente para inglês ver, já que o Reino Unido é um dos membros do grupo de Amsterdã.
O vice-presidente também não explicou quais ações o governo adotaria para atingir a suposta meta, uma vez que o plano civil contra o desmatamento, que reduziu a taxa em 83% entre 2004 e 2012, teve sua execução interrompida em 2019. Na prática, a única ação anunciada foi o envio de militares, que desde maio comandam no lugar do Ibama o combate ao desmatamento e às queimadas.
No começo da apresentação, o general lista os supostos problemas da Amazônia. Cita que houve aumento do desmatamento a partir de 2012, argumento que vem sendo usado pelo governo Bolsonaro para se isentar da responsabilidade pela brutal aceleração de 34% da taxa em 2019 (a maior elevação percentual deste século), que deve se repetir em 2020. Faz a afirmação correta de que há uma ausência do Estado de direito na região. E conta duas mentiras.
A primeira é a de que “falta uma estratégia abrangente” para a Amazônia, que mobilize os três Poderes, além de governos subnacionais, setor privado e sociedade local. Havia uma estratégia, o PPCDAm, mas ela foi desmobilizada no governo Bolsonaro.
A segunda – e é sintomático que isso esteja no slide sobre os problemas da Amazônia – é de que há uma “campanha internacional” que “aliou interesses ecológicos, econômicos e políticos contrários ao novo governo brasileiro”. Trata-se da repaginação da falácia da “máfia verde”, obsessão dos militares, que enxergam uma conspiração entre ONGs ambientalistas e governos europeus para impedir o desenvolvimento do Brasil.
Ao afirmar que havia “debilidade de órgãos de fiscalização ambiental”, Mourão não menciona que o seu governo aparelhou esses órgãos com militares sem experiência de forma irregular, tirou o Ibama do comando das ações na Amazônia, derrubou as multas ambientais, negou a realização de concursos e ameaça fundir o Ibama e o ICMBio, que são atacados sistematicamente pelo presidente desde a campanha eleitoral.
Mourão aponta como “iniciativa prioritária” o combate ao desmatamento (que aumentou 34% em 2019 e deve aumentar novamente 34% em 2020). E também o combate às queimadas, que aumentaram 20% até o momento na Amazônia em relação ao mesmo período de 2019 e 131% no Pantanal, o maior índice já registrado desde o início do monitoramento do Inpe.
O segundo ponto destacado nas iniciativas prioritárias é o “fortalecimento dos órgãos ambientais”. Houve o contrário.
O terceiro é o “monitoramento de ilícitos ambientais”, que já existe e é reconhecido internacionalmente, mas foi atacado diversas vezes por Mourão, por ministros e pelo presidente. Ações do governo como a demissão de Ricardo Galvão do Inpe em 2019 e a insistência na compra de radares desnecessários indicam que o objetivo é submeter o monitoramento aos militares, como já ocorreu com a fiscalização ambiental.
Apontar como iniciativa prioritária “fontes de financiamento nacional e internacional” não faz sentido nenhum: R$ 2,9 bilhões do Fundo Amazônia estão parados desde o início de 2019 por decisão do governo e mais de R$ 1 bilhão do projeto de conversão de multas ambientais também foram dispensados sob argumento falso de que serviriam apenas para favorecer ONGs.
A bioeconomia, outro mantra do governo, aparece mais uma vez de forma genérica, como em outras peças de propaganda.
A seção de resultados preliminares apresenta dados errados: afirma que foram desmatados 7.119 km2 de janeiro a outubro de 2020, segundo os alertas do Inpe. Foram 7.899 km2. Mourão alega que houve queda de 15% no período. Na verdade, a redução foi de 6%. No entanto, se comparado o período de mensuração oficial do desmatamento (de agosto de 2019 a julho de 2020), houve aumento de 34% em relação ao mesmo período anterior.
Mourão afirma que houve ampliação da presença do Estado na Amazônia, com combate a ilícitos e “maior eficácia”. Falso, mais uma vez. As multas aplicadas pelo Ibama na Amazônia até outubro caíram 62% em relação ao mesmo período de 2019.
Foram apresentados valores de multas e dados de apreensões sem fontes nem comparativos com anos anteriores. Segundo o vice-presidente, foram aplicados R$ 1,7 bilhão em multas na Amazônia.
De janeiro até 12 de outubro, o Ibama aplicou R$ 1,2 bilhão em multas em todo o país, e não apenas na Amazônia, contra R$ 3,4 bilhões no mesmo período de 2019. Ele não diz de onde tirou os números, que podem incluir multas dos Estados da Amazônia Legal. Em setembro, o governo já havia inventado R$ 222 milhões em multas aplicadas por militares na Amazônia.