Para o MPF, objetivo é anistiar crimes de grilagem, invasões de terras públicas e desmatamentos

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), nome oficial da bancada ruralista, retomou neste mês uma campanha em redes sociais com informações falsas para defender o projeto de “regularização” fundiária do governo Bolsonaro.

O Projeto de Lei 2633/2020 foi apontado como prioritário em uma lista apresentada em fevereiro aos novos presidentes da Câmara e do Senado.

Para o Ministério Público Federal, o objetivo do governo – inicialmente com a MP 910, barrada em 2020 – é anistiar crimes de grilagem, invasões de terras públicas e desmatamentos, favorecendo organizações criminosas.

Estudo da pesquisadora Brenda Brito, do Imazon, estima que a proposta de mudança nas regras fundiárias ameaça pelo menos 19,6 milhões de hectares de áreas federais não destinadas na Amazônia, que podem ser ocupados e desmatados na expectativa de regularização.

Reprodução Twitter @fpagropecuaria

Em postagem no dia 11/03, a FPA afirma que “sem regularização fundiária não há responsáveis por crimes ambientais”, o que é falso. Cerca de dois terços das áreas desmatadas têm ocupante reconhecido ou declarado. Ou seja, ao contrário do que afirma a FPA, em grande parte dos casos o governo sabe quem é o dono ou quem está reivindicando a posse de uma área.

Segundo dados do Mapbiomas, 77% da área desmatada no Brasil em 2019 – 83% do desmatamento está na Amazônia – ocorre em áreas que se sobrepõem a pelo menos um Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Bastaria aplicar as punições. No entanto, isso não tem ocorrido. As multas do Ibama por infrações contra a flora na Amazônia caíram pela metade (50,2%) em 2020 na comparação com 2018, último ano do governo Temer, apesar da alta recorde do desmatamento no período. Isso ocorreu mesmo com a informação disponível de quem são os responsáveis pelas áreas onde foi registrada a maior parte do desmatamento.

Além disso, a legislação atual já permite titular terra pública ocupada até 2011.

No dia 13/03, a FPA voltou a afirmar que é “impossível” responsabilizar infratores por crimes ambientais em terra não regularizada, sob o argumento de que “terra sem destinação gera grilagem”. Em resposta ao post, o professor da UFMG Raoni Rajão alertou que “mudar a lei para legalizar invasões até então criminosas só piora o problema”. Ele lembrou que o CAR já possui nome e CPF de 7 milhões de imóveis, inclusive os sem título, mas governo não usa esse dado.

Ao contrário do que afirma a FPA, não é preciso saber quem é o proprietário da terra para conter o dano ambiental. Sem alterar a legislação fundiária, o Brasil reduziu o desmatamento na Amazônia em 73% entre 2004 e 2009.

Em post no dia 10/03, a FPA afirma que “queimadas ilegais acontecem com muito mais frequência em terras sem regularização fundiária”. “Uma área pública ocupada, mas não regularizada, não tem ninguém para ser legalmente responsabilizado”, alega a entidade, atribuindo as informações ao Incra: “134% mais queimadas em áreas sem regularização fundiária”.

No entanto, estudo de Benedict Probst (Universidade de Cambridge) e outros pesquisadores publicado em 2020 na Nature aponta que proprietários de áreas tituladas tendem a continuar desmatando. O estudo analisou 10 mil imóveis titulados na Amazônia entre 2011 e 2016 e mostrou que pequenos e médios proprietários tendem a desmatar mais as suas áreas nos anos seguintes à titulação, em comparação a imóveis ainda não titulados.

De modo similar, Gerd Sparovek, da USP, e colaboradores mostraram que, enquanto as áreas não destinadas apresentavam uma cobertura florestal de 77% em 2018, as áreas tituladas como imóveis particulares sofreram um rápido processo de desmatamento, reduzindo a área florestal de 68% para 55%, entre 1999 e 2018. “Auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da União em 2020 sugerem que esse resultado é consequência das falhas na fiscalização do Incra”, aponta Rajão, da UFMG. Segundo ele, “pode-se inferir que a ênfase do atual governo na titulação de terras, sem os devidos controles ambientais, juntamente com a paralisação do processo de criação de unidades de conservação e demarcação de terras indígenas, têm agido como importantes vetores do desmatamento na Amazônia”.

Em outra Nota Técnica, pesquisadores da USP e da UFMG mostram que as áreas não destinadas e as áreas públicas destinadas (como Unidades de Conservação e Terras Indígenas) possuem taxas de desmatamento mais baixas, mantendo mais de 80% da cobertura vegetal. “Por outro lado, nos imóveis rurais autodeclarados (inscritos no CAR) e áreas privadas destinadas (beneficiadas pela regularização) observam-se taxas de desmatamento altas, chegando a perder até 3% da área de vegetação nativa em um ano. Além disso, essas áreas possuem menos de 60% de sua área como vegetação nativa, valor bem inferior à reserva legal, que deve ser de 80% nos imóveis rurais no bioma Amazônia.”

O estudo aponta que, entre os imóveis que são alvo da proposta de regularização fundiária apresentada pelo governo Bolsonaro, predomina entre os pequenos o padrão de nenhum déficit de Área de Preservação Permanente e/ou Reserva Legal, o que ocorre em 63% dos 107.466 imóveis em glebas federais.

Já nos médios e grandes imóveis o padrão se inverte, e a existência de algum déficit, isso é, o não cumprimento do Código Florestal, passa a ser o padrão predominante, atingindo 74% dos imóveis, mostram os pesquisadores. “Esses resultados, juntamente com a análise da taxa de desmatamento, indicam que o processo de regularização fundiária não garante o cumprimento da legislação florestal, principalmente entre os médios e grandes proprietários.”

Em outro post, no dia 12/03, a FPA afirma que “com o sensoriamento remoto será possível comprovar se há desmatamento ilegal, queimadas e até a confirmação do cultivo efetivo por parte do proprietário da terra”.

O monitoramento já é feito hoje, seja por órgãos do governo, como o Inpe, seja por iniciativas da sociedade civil, como o projeto MapBiomas, que já produziu mapas de toda a mudança de cobertura do solo no Brasil de 1985 até 2019.

A campanha da FPA repete desinformação difundida pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em vídeo de outubro de 2020, que desmentimos aqui.