Políticos como Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e influencers espalham os conteúdos enganosos

O Rio Grande do Sul enfrenta o pior desastre climático da sua história desde o fim de abril por causa das fortes chuvas. Até a tarde desta quarta-feira (15), mais de 2,1 milhões de pessoas haviam sido afetadas de alguma maneira nos 449 municípios inundados. Cento e quarenta e nove mortes já foram confirmadas. Neste cenário trágico, a desinformação não dá trégua e tem espaço aberto nas redes sociais e aplicativos como WhatsApp e Telegram, conforme mostra análise publicada hoje pelo Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NetLab-UFRJ).

O relatório aponta que as principais narrativas enganosas minimizam as ações do governo federal e exaltam aliados da extrema direita, negam a relação entre o evento extremo e as mudanças climáticas, reforçam teorias da conspiração e aplicam golpes em formato de pedidos de doação.

As acusações contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) são as principais publicações falsas e descontextualizadas. Foi espalhado, por exemplo, que o governo federal rejeitou a ajuda oferecida pelo vizinho Uruguai. Na verdade, o Brasil aceitou o empréstimo de um helicóptero para resgate, mas não pôde aceitar um avião grande para o transporte de lanchas e drones por causa da falta de infraestrutura para pouso. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é uma das pessoas que mentem sobre o trabalho do governo federal.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, teve uma crítica contra a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) descontextualizada. Durante uma entrevista concedida à CNN Brasil no dia 3 de maio, Marina criticou o “apagão” nas políticas ambientais durante o governo de Bolsonaro. Apoiadores do ex-presidente logo começaram a atacar a ministra desconsiderando que, realmente, Bolsonaro liderou um desmonte ambiental durante os quatro anos em que esteve no Planalto. Um caso que ilustra a crítica de Marina é a redução de quase 40% nas multas por desmatamento na Amazônia, o que facilitou a devastação da floresta que tem um papel importante para barrar as mudanças climáticas. Um relatório publicado em 2023 pelo Observatório do Clima detalha tudo o que Bolsonaro fez contra o meio ambiente.

Na esteira do endeusamento do bilionário Elon Musk por causa do embate com o Supremo Tribunal Federal (STF), outra desinformação bastante disseminada é que a Starlink, empresa comandada pelo magnata sul-africano, seria a única opção de internet disponível no Rio Grande do Sul. A afirmação é falsa. Não há nenhum registro de que a Starlink seja a única fonte de internet. A Conexis Brasil Digital – organização de empresas de telecomunicações e conectividade –, disse que outras operadoras de internet fixa e móvel estão funcionando na maior parte do estado. As empresas Tim, Vivo e Claro, inclusive, começaram a oferecer pacote de dados grátis e permitiram o compartilhamento do sinal para clientes do Rio Grande do Sul para facilitar a comunicação durante a crise.

Publicações falsas também insinuaram que o show da cantora Madonna, realizado no Rio de Janeiro (RJ) no dia 4 de maio, teria recebido recursos públicos que deveriam ter sido destinados para o Rio Grande do Sul. O espetáculo que lotou a praia de Copacabana custou quase R$ 60 milhões. O governo estadual e a prefeitura do Rio investiram R$ 10 milhões cada. Os R$ 40 milhões restantes foram pagos pelo banco Itaú, que promoveu o evento para celebrar os seus 100 anos de história, e outros patrocinadores privados. Estimativa do governo estadual diz que o evento movimentou R$ 300 milhões nas áreas de serviço e turismo, algo considerado benéfico para a arrecadação do estado.

Na lista aparece o boato de que o poder público estaria dificultando a entrada de doações no Rio Grande do Sul aplicando multas, exigindo nota fiscal e impedindo entregas. Algumas peças atribuem os casos à Secretaria da Fazenda do Estado enquanto outras responsabilizam órgãos vinculados ao governo federal. Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), um caminhão vindo de Florianópolis (SC) foi multado por excesso de peso no dia 6 de maio, mas foi um caso isolado. A comunicação da ANTT para explicar o caso, no entanto, foi deficiente. Em um dos primeiros posicionamentos, a agência não reconheceu a abordagem feita com o caminhão de Santa Catarina. A exigência de nota fiscal, desinformação disseminada pelo coach Pablo Marçal, é falsa. O senador Cleitinho Azevedo (Republicanos – MG) também impulsionou a desinformação.

Também é falso que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estaria dificultando o envio de medicamentos ao estado. A desinformação foi divulgada pelo médico Victor Sorrentino, que teve o registro profissional suspenso por 30 dias no fim de março por violar o Código de Ética Médica. Sorrentino já havia ganhado destaque na mídia ao ser preso no Egito por assediar uma vendedora.

As desinformações que desconsideram os efeitos das mudanças climáticas aparecem no fim da lista. Uma narrativa afirma que os temporais são um castigo de Deus, especialmente pelo estado ter adeptos de religiões de matriz africana. Além de racismo religioso, as postagens negam as evidências científicas sobre a influência humana no clima. Em 2015, um estudo produzido pelo governo federal já mostrava que o sul da América do Sul, em especial a bacia do prata, teria chuvas mais intensas e por mais tempo, conforme o aquecimento global piorasse. O estudo chamado “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, porém, foi engavetado.

O aumento da temperatura é uma realidade que conta com registros de monitoramentos rigorosos com metodologia científica. Os últimos dados divulgados pelo serviço climatológico europeu Copernicus mostram que abril foi o 11° mês consecutivo mais quente. O aumento para abril foi de 1,58 °C em comparação ao período pré-industrial (1850-1900). A destruição de florestas e a emissão de gases de efeito estufa pelo uso de combustíveis fósseis contribuem para esse aquecimento que desequilibra o clima. Conforme disse Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, “é preciso dessacralizar os desastres. Não é um desígnio de Deus. Essa porcaria toda foi o homem quem fez”.

Em seguida, aparece a teoria da conspiração sobre o desastre ter sido planejado por globalistas. Algumas pessoas resgataram a mentira de que os temporais foram provocados pelo Programa de Pesquisa em Aurora Ativa de Alta Frequência (Haarp, sigla em inglês para High-frequency Active Auroral Research Program). O Fakebook explicou sobre o delírio referente às antenas Haarp em 2022.

Por fim, ganharam repercussão na internet postagens que enganam ao dizer que integrantes da direita estão ajudando mais do que o governo. O empresário Luciano Hang, por exemplo, foi exaltado por ter emprestado dois helicópteros para a Defesa Civil usar durante os resgates. O que as publicações escondem é que no mesmo dia do anúncio feito por Hang, 2 de maio, a Força Aérea Brasileira (FAB) já havia enviado 20 aeronaves, 84 embarcações, 385 viaturas e 1.103 militares. Outro ponto ocultado são as acusações de infrações ambientais contra Hang para construções de unidades das lojas Havan. Em 2021, o site Matinal publicou uma investigação sobre o histórico de desrespeito contra o meio ambiente cometido por Hang. Entre as acusações aparece a supressão de vegetação em área de preservação permanente (APP).

O relatório produzido pelo NetLab também mostra que conteúdos que negam a crise climática, mas sem citar o caso do Rio Grande do Sul, continuam sendo publicados no TikTok e enviados por mensagens no Telegram. No entanto, não é possível afirmar se houve um crescimento em comparação com publicações feitas antes da tragédia.

Os pesquisadores do NetLab identificaram 351 anúncios fraudulentos de 186 anunciantes. O levantamento averiguou somente anúncios presentes na Meta, dona do Facebook e Instagram. O relatório de transparência do Google permite apenas a busca por nome do anunciante, o que dificulta a pesquisa. O Twitter, atual X, TikTok, Telegram, WhatsApp e LinkedIn não possuem páginas de transparência sobre anúncios no Brasil. Os conteúdos patrocinados identificados na Meta são dedicados a pedidos de doação. Um exemplo é o anúncio de uma página falsa em nome de Davi Brito, ganhador do BBB 24, para pedir doações no site vakinha.br. O relatório informa que o conteúdo foi retirado do ar.

Já o número de anúncios com desinformação totalizaram 51 e foram publicados por 36 anunciantes. Entre os exemplos destacados pelo relatório, está um pago pela vereadora de Florianópolis (SC) Maryanne Mattos (PL) no qual ela acusa Lula de não estar ajudando o Rio Grande do Sul com eficiência. Conteúdos pagos amplificam o impacto negativo das desinformações, destaca o relatório. (PRISCILA PACHECO)