Durante o governo Bolsonaro, então ministro da Infraestrutura operou para Ferrogrão captar “títulos verdes”, mas dados de estudo que apontou redução não estão disponíveis

Na semana passada, o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) discursou no plenário em defesa da construção da Ferrogrão, ferrovia que ligaria Sinop, em Mato Grosso, aos terminais graneleiros de Miritituba, em Itaituba (Pará). O empreendimento conectaria – em um trajeto de quase mil quilômetros rodeado por territórios indígenas e áreas de proteção ambiental – as maiores regiões produtoras de soja e outros grãos no Centro-Oeste aos portos no Norte do país, de onde são exportados.

Defendida pela bancada ruralista, a construção da ferrovia é questionada por povos indígenas, comunidades tradicionais e organizações ambientalistas, que apontam seus impactos socioambientais. Na última quarta-feira (20), o PSOL, em conjunto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e outras organizações de povos originários, apresentou uma petição no Supremo Tribunal Federal solicitando mais estudos sobre os impactos do empreendimento antes que se decida sobre sua construção.

Para rebater os questionamentos aos impactos socioambientais do empreendimento, o senador afirmou que não haveria “briga ambiental” relativa à Ferrogrão, e disse que a construção da ferrovia “reduziria em 77%” as emissões de CO2 na região.

“Como explicar para o mundo que o país que sediará a COP30 [Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas] foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal de construir uma ferrovia que reduzirá em 77% as emissões de CO2 no comparativo com o que hoje é gerado pelos caminhões que trafegam na BR-163?”, disse o senador. “A redução na emissão de CO2 vai variar de 4 [milhões] a 5 milhões de toneladas ao ano”, completou.

Os dados apresentados pelo senador são inverificáveis. Além disso, mesmo se corretos, não permitiriam a conclusão de que a construção da ferrovia reduziria emissões, como Fakebook.Eco explica abaixo.

Estudo indisponível

Zequinha Marinho não citou fontes em seu discurso, mas a afirmação de que a construção da Ferrogrão reduziria as emissões em 77% foi divulgada em 2021 pelo então Ministério da Infraestrutura (atual Ministério dos Transportes), sob comando de Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo. O dado foi creditado a um estudo de impacto elaborado pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL), estatal hoje incorporada pela Infra/SA.

Segundo a pasta, a EPL teria calculado a redução de emissões estimando o CO2 que deixaria de ser emitido por caminhões movidos a diesel, que hoje transportam grãos e outras cargas pela BR-163 e seriam substituídos pelos trens.

O estudo, no entanto, não está disponível ao público. Procurada, a Infra/SA informou ao Fakebook.Eco que o documento não foi encontrado. Além disso, disse não saber quantas toneladas de CO2 correspondem à cifra de 77% de redução nas emissões, calculada pela própria empresa.

Ao final de seu pronunciamento, Zequinha Marinho afirmou que a redução seria de “4 a 5 milhões de toneladas ao ano”, novamente sem citar fontes. No entanto, quando o estudo que apresenta a cifra dos 77% de redução de emissões foi divulgado pelo ministério, o próprio ministro Tarcísio de Freitas falava que 1 milhão de toneladas de CO2 deixariam de ser emitidas ao ano com a substituição dos caminhões pela Ferrogrão. “Uma ferrovia que vai ligar o interior do Mato Grosso aos portos do Pará e reduzir em 1 milhão de toneladas por ano a emissão de CO2 da atmosfera apenas na substituição dos atuais meios de transporte”, declarou o então ministro em março de 2021.

O ministério, à época, apresentou os resultados da EPL como parte do processo de habilitação da Ferrogrão para a captação de “títulos verdes”, através de certificação emitida pela organização internacional Climate Bond Initiative. A certificação – concedida a projetos que promovam uma redução de emissões de gases de efeito estufa da ordem de, no mínimo, 25% em relação ao anteriormente emitido – permitiria aos concessionários da ferrovia o acesso a fundos internacionais para empreendimentos sustentáveis.

Emissões por desmatamento desconsideradas

Ainda que estejam corretos, os dados não permitem a conclusão de que a construção da ferrovia reduziria as emissões de CO2 . O cálculo é restrito ao setor de transportes, como o próprio senador destacou em seu discurso. A conta desconsidera as emissões pelo desmatamento que seria induzido pelo empreendimento, um montante consideravelmente maior do que o que deixaria de ser despejado na atmosfera anualmente com a redução do tráfego de caminhões.

Segundo nota técnica do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, o desmatamento induzido pela construção da ferrovia na região despejaria 75 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. O dado foi calculado por pesquisadores do grupo Climate Policy Initiative e do Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio. As emissões resultariam da derrubada de mais de 2 mil km2 de floresta nativa, área maior que uma cidade de São Paulo.

Como a Infra/SA não soube informar quantas toneladas de CO2 em emissões correspondem à redução de 77% em transportes, não é possível comparar esse dado com as emissões por desmatamento. Se considerado o dado apresentado pelo ex-ministro Tarcísio de Freitas, seriam necessários 75 anos para que a redução calculada nos transportes compensasse o despejo do gás-estufa pelo desmatamento.

Na melhor das hipóteses, considerando o melhor cenário apresentado por Zequinha Marinho (redução de 5 milhões de toneladas ao ano), o montante emitido por desmatamento ainda seria 15 vezes maior.

Tudo isso em um  momento em que, como alerta o IPCC, o painel do clima da ONU, não há tempo a perder. A humanidade precisa reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030 e em 60% até 2035, chegando à emissão líquida zero até 2050, caso queira ter chance de cumprir o Acordo de Paris e estabilizar o aquecimento do planeta em 1,5ºC.